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Entrevista com a presidente da Abalf sobre o programa Brasil Alfabetizado

  • Foto do escritor: EDUK
    EDUK
  • 18 de jun. de 2019
  • 5 min de leitura

Atualizado: 31 de out. de 2019

A professora Maria do Rosário Longo Mortatti, doutora em Educação e presidente emérita da Associação Brasileira de Alfabetização (Abalf), explica sobre o programa Brasil Alfabetizado e a descontinuidade dada a ele, além dos reflexos desta medida tomada durante o governo Temer.


Por Helena Sbrissia, Isabela Lemos, Matheus Zilio e Thiliane Leitoles

Foto de Arquivo da entrevista Maria do Rosário Longo Morttati, professora e Presidente da Abalf


Guilherme Boulos afirmou em seu twitter que, em 2016, o governo Temer suspendeu verbas destinadas ao programa de combate ao analfabetismo. Você que está em contato com isso, você sabe afirmar se esse corte de fato aconteceu?


Em primeiro lugar, não se tratou exatamente de um corte de verbas. Havia um programa Brasil Alfabetizado, que foi criado em 2003 pelo Ministério da Educação (MEC) justamente para alfabetizar jovens adultos e idosos. Vamos considerar sempre que esses programas se referem àqueles que estão fora da idade regular para cursar o ensino regular, que são considerados jovens de 15 anos ou mais. Até 15 anos, essa população não pode ser considerada analfabeta porque ainda está em idade de frequentar a educação básica. Aquele programa de 2003 foi interrompido por Michel Temer, e a descontinuidade dele permaneceu e se acentuou com o governo Bolsonaro. Em janeiro de 2019, foi extinta a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), que justamente tinha dentre seus objetivos tratar da educação de jovens e adultos, além da educação especial, ambiental, do campo e indígena. E foi criada a Secretaria De Alfabetização do Governo junto ao MEC. Na secretaria não consta a Educação de Jovens Adultos (EJA), e essa é uma das principais críticas atuais.


Como a suspensão do programa afetou a população brasileira?


Não há dúvidas que a extinção desse programa afeta a população de uma maneira ampla. Isso porque há diagnósticos anteriores desses programas, que vinham de 2003 a 2016, com resultados positivos, principalmente no sentido de atingir metas políticas e nacionais, vinculadas às metas de sustentabilidade da ONU. Esse programa seria ampliado em 2017, inclusive, porque a ONU estabeleceu objetivos de desenvolvimento sustentável, que são os objetivos do milênio, iniciativas de caráter global. Essas questões de alfabetização também estavam previstas como universais, inclusive para pessoas jovens, adultas e idosas. Além de ser uma meta no desenvolvimento do milênio e da ONU, é também uma meta do Plano Nacional de Educação. É a meta 9, que diz: “Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 (quinze) anos ou mais para 93,5% (noventa e três inteiros e cinco décimos por cento) até 2015 e, até o final da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% (cinquenta por cento) a taxa de analfabetismo funcional”.


A proporção, contudo, não chegou a isso até o momento proposto. A estimativa é que isso ocorra até 2024. Mas o ritmo é muito lento e o novo governo interrompeu esse avanço.


De acordo com os dados do indicador de analfabetismo funcional de 2018, no Brasil, cerca de 38 milhões de pessoas são considerados analfabetas funcionais. Qual a causa e consequência dessa situação?


Essas são perguntas de um milhão de dólares (risos). Costumamos dizer que para problema ruim não há solução, ou não há solução boa. No Brasil, esse é um problema secular, quase endêmico, porque nunca houve uma preocupação com a educação e ela nunca foi uma prioridade. O analfabetismo funcional é uma categoria de análise mais recente e quem define com objetividade essa categoria para a partir dela definir indicadores para avaliação é a ONG Ação Educativa, que constitui indicadores de alfabetismo que vão desde o analfabetismo absoluto até o alfabetismo pleno, passando por faixas, sendo uma dela o analfabetismo funcional, e outra o alfabetismo funcional. A verdade é que o número dessas duas faixas, digamos assim, cresce porque a educação não é prioridade em termos de políticas públicas, e também numa esfera de termos culturais no país. Os últimos acontecimentos políticos podem indicar isso, as manifestações dos estudantes e as medidas do atual ministro da educação. Como não é prioridade, os dispositivos constitucionais de despesas obrigatórias com a educação não são respeitados. A emenda constitucional do teto dos gastos deu aval constitucional para que o contingenciamento, ou corte de despesas, em educação fosse oficializado. O alfabetismo ou analfabetismo funcional são resultados a longo prazo, no macro, desse desrespeito à educação. Especificamente é o caso das pessoas passarem pela escola, aprendem, tirarem suas notas, serem aprovadas, mas ao deixar esse ambiente não terem mais a necessidade de ler e escrever. O Brasil não é um país em que ler e escrever faz parte da rotina das pessoas. O analfabetismo funcional advém justamente ou da baixa capacidade de ler e escrever. A compreensão do que seja ler e escrever tem caráter muito funcional na escola, o que não garante que a pessoa, mesmo saindo dela, veja uso cotidiano e cultural naquilo. A consequência disso é que vivemos em um país em que ler e escrever são coisas pouquíssimo importantes, o que faz com que a feição do país vá se moldando a essas baixas expectativas. Para as classes sociais menos favorecidas, o efeito é muito mais perverso, porque impede que essas pessoas coloquem horizontes e oportunidades que possam avançar além da necessidade imediata de sobrevivência. O analfabetismo funcional está diretamente ligado à compreensão da cidadania e da participação social do lugar que cada um ocupa no projeto de nação.


Qual a importância dos investimentos nesses programas para combater esse problema?


TODA! O problema é que o investimento financeiro deve ser cultural, deve haver vontade política e compreensão do que é a educação, e não só alfabetização. A educação é essencial para a construção de elementos da cidadania e também para o desenvolvimento humano em um país. Quem não investe em educação tem os problemas que nós estamos tendo atualmente, essa é uma correlação direta. Agora, não é só investimento em programas. O investimento financeiro é imprescindível, mas em programas que combatam o analfabetismo do ponto de vista da compreensão maior da educação no Brasil. Isso não é o que estamos vendo nos últimos dois anos, desde a extinção do programa Brasil Alfabetizado, que parte de uma política de desvalorização da educação e desvalorização da pessoa humana no sentido da educação. Paulo Freire diz que o analfabetismo não é uma chaga ou uma erva daninha a ser erradicada, e essa compreensão equivocada precisa ser revista no sentido de não ser meramente uma questão de caráter técnico e metodológico, mas sim uma questão política e de escolha política. É uma questão de políticas públicas que considerem o lugar da educação e seu primeiro passo na construção de um projeto de nação em que todos estejam incluídos.

 
 
 

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© 2019 por Henrique Zanforlin, Matheus Zilio e Rita Vidal. Projeto de Fact Checking 5° Período de Jornalismo

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